segunda-feira, 5 de outubro de 2009

carta I

marcows,

o poeta que me recomendaram foi Iosif Brodskii

eu tinha procurado um pouco aqui em Lisboa, mas não achei. daí estava no Porto e encontrei na Leitura, uma livraria que tinham me mostrado na véspera de vinho madrugada fechada.

e tudo me pareceu meio muito Fernando Pessoa demais nas prateleiras, até que encontrei-o, nem abri, passei no caixa e tentei ir na perfomance que eu ia assistir. mas abri o livro na 1a página e não consegui mais me adiantar em estar com as pessoas. fiquei vagando e lendo o primeiro poema. tropecei num homem que pedia esmolas, vi as gaivotas cantando e pensei em como elas são ao mesmo tempo aterrorizantes e como trazem boas notícias, salinas de mar

(no Porto as gaivotas voam sobre a gente como pombos - - - aliás, entre os pombos)

e eu gostei muito, porque foi só abrir o livro dele que o poema voltou a acontecer. pra mim (é um voz-centrismo?) um bom poeta mesmo é aquele que me leva a escrever imediactamente ou me deixa intacta de que já fizeram e eu nunca mais vou precisar disso.

então, também, lê isso.

(lê naquela voz alta que é baixa de poema)


INFINITIVO

Para Ulf Linche

Queridos selvagens, embora nunca dominasse a vossa língua, isenta de pronomes e gerúndios,
aprendi a assar cavalas embrulhadas em folhas de palmeira e a apreciar patas
de tartarugas cruas,
com o seu sabor a lentidão. Gastronomicamente, devo dizê-los, estes anos
desde que aqui dei à costa têm sido um viajar constante,
e no fim acabo por não saber onde estou. No fundo, vamos continuando a
marcar pontos apenas
enquanto ninguém nos macaqueia. Apesar de terdes começado a macaquear-
me antes mesmo de vos
ver. Vêde o que fizestes às árvores! Embora seja lisonjeiro ser olhado
como um deus por vós, eu, pelo meu lado, macaqueei-vos um
bocadinho, especialmente com as vossas donzelas
-em parte para obscurecer o passado, com o seu mal-afortunado navio mas
também para enevoar o futuro,
vazio de vela panda. As ilhas são inimigos cruéis
dos tempos verbais, excepto do presente. E os naufrágios não passam de voos
da gramática
para a pura causalidade. Vêde o que a vida sem espelhos faz
aos pronomes, para não falar da cara das pessoas! Talvez os vossos antepassados também
tenham acabado por vir dar a esta maravilhosa praia duma maneira parecida
com a minha. Daí a vossa atitude para comigo. Aos vossos olhos sou
quando muito uma ilha dentro de uma ilha. E de algum modo, observando
cada passo que dê,
sabeis que não anseio pelo partícipio passado ou pelo passado contínuo
-bom, não mais do que por esse vosso futuro perfeito nas profundezas
duma caverna húmida,
coberto de algas secas e penas. Escrevo isto com o dedo indicador
no espelho da areia molhada, ao pôr-do-sol, inspirado talvez
pela visão das copas das palmeiras espalmadas contra o céu de platina, como
se fossem
caracteres chineses. Apesar de nunca ter estudado a língua. Além disso, a brisa
abana-as demasiado rapidamente para se poder decifrar a mensagem.



(Paisagem com inundação, tradução de Carlos Leite.)


ao que muito sinto, meu caro amigo, por apresentar-vos
nessa tela fria e não no papel da Cotovia.

vou abrir pra Penelope

meu amor


beijos,
julobisomem

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