sábado, 2 de julho de 2011

homem ao mar

júlia,

me deu uma vontade de colorido, vim pra cá / você anda bem inteligente, moça instruída / vou fazer uma entrevista, me dá a honra? então lá vai:

- O que você acha da literatura contemporânea no Brasil, em Portugal e no mundo?

Eu acho que é difícil saber o que está se fazendo, mesmo. Acho que publicamos demais, com ansiedade, somos muito eficientes curricularmente, e que, se calhar, era bom dar tempo ao tempo.
Tinha a impressão de que as edições de poesia brasileiras andam mais convencionais do que as portuguesas,  mas agora já não sei se não penso o mesmo daqui, embora em Portugal acho que o que se entende por "poesia" é mais abrangente. Mas me parece que o que entende por "poesia" tá  muito acertado, todo mundo querendo fazer livro e texto, e palavra. Tá tudo pleno? Todo mundo sabe o que é poesia? E acho que a palavra tem um poder material performativo, de realmente matar, e vejo isso acontecendo pouco. Falta magia? Não sei. 
Ao mesmo tempo acredito que se a escrita feita por todos (se bem que infelizmente é relativo, esse "todos") foi mesmo um dos melhores dos desejos iluministas, e que todo mundo deve aprender a escrever na escola, todo mundo também deve aproveitar o instrumento que é escrever e não deixar que as escolas controlem esse presente.  
Mas me tem sido cada vez mais fundamental essa aproximação com o que se publica hoje. Tenho tentado deixar de ser conservadora, em matéria de poesia acho que sou, um milhão de vezes mais rígida do que com música ou artes plásticas. 
Eu procuro encontrar coisas que gosto, cada vez mais e esperar pelo livro de alguém vivo, é uma coisa linda. Espero pelos livros de quem não conheço ainda. E gosto imenso da poesia da Angélica Freitas e recentemente tenho lido a do Manuel de Freitas, o que, não tinha ainda notado, faz dos Freitas uma família bacana. 
Não sei falar do mundo, não sei falar de prosa. E morro pelo Coetzee.

- Você gosta do Haroldo de Campos? Por quê, do quê?


Conheço pouco pra dizer com segurança. Mas acho que ele foi fundamental e teria sido ainda mais  se tivesse um pensamento menos autoritário, se desse menos importância a ser a ponta da lança. Porque o trabalho dele foi mesmo importante. Ele conhecia palavra, linguagem, tradução,  poesia, era um homem muito erudito e teve idéias muito contemporâneas a si mesmo, por exemplo, a da experiência do poema como corpo da linguagem, como uma irradiação de amálgamas que se reúnem no poema. Nesse sentido, ele soube olhar ao redor com generosidade, também, e perceber como profanar em uso a santa do século XX, a "linguagem". Entende?, ele soube criar respostas a essas coisas, mas eu gosto de carne.

- Quando você pensa nxs escritorxs mais importantes pra você há cinco anos atrás e nxs dos últimos meses (paideuma de cada um, digo por exemplo da sua recente descoberta do Artaud) quais os redemoinhos vendavais furacões que estão no meio da rua, centrais, em cada um dos momentos? Em que estacionamentos de supermercado se formam tais camaradagens?


Puxa, aí é difícil ser resumida, essa família que só cresce. Cinco anos atrás fundamentais pra mim eram o Drummond, o Pessoa, a Clarice, o Celan, a Ana Cristina, o Machado, o Eliot. Como todos eles ainda são. 
Acho que 2006 foi o ano em que eu li o Herberto Helder pela primeira vez e acho que era ele quem me arrasava em furacão e eu nem imaginava que poderia vir a viver em Portugal, não tinha nenhum tesão na "coisa portuguesa", como sei que muita gente que faz poesia no Brasil tem e reconhece, e que eu mesma vim a ter dois anos depois. O Helder me alucinou como o Cortázar fez uns anos antes, porque era bonito sem que eu entendesse de todo, implacável, voraz, e acho mesmo que só agora começo a entender o que ele faz e admiro ainda mais. Ele mesmo mudou na minha leitura desde que vivo em Lisboa, como o Pessoa também, e outros portugueses, que eu achava que faziam estilo, quando na verdade muitas vezes é a língua portuguesa deles, mesmo. Engraçado. Com o Herberto ainda tento aprender a pontuação da voz e me sinto uma bosta como faço uma poesia "temática", enquanto ele faz sinfonia dos acordes da garganta do universo.
Hoje em dia, além daqueles que disse ali, tenho comigo a Hilda Hilst, que você me apresentou,  obrigada, graças aos fantasmas que ela gravava, escuto a ela como não escuto a ninguém. Também o Iosif Brodskii mudou completamente meu rumo de escrita desde que o li, porque percebi nele o amálgama emocional  radical que tenho tentado fazer, e como fazer disso um núcleo atômico, explosivo. Também me mudou a aproximação com a M.G. Llansol, com tantos amigos ao redor lendo e pensando a obra dela, que é tão radical, também por colocar em xeque e choque alguns dos meus conservadorismos e creio que aprendi a suspender certas palavras da respiração do texto com ela. Tenho lido também muito a Luiza Neto Jorge, me lembrando da concisão, encontro nela um dizer perto do silêncio, que ainda não sei nomear, mas é muito bonito. E, mais recentemente, ando muito espantada com o Henri Michaux, em como ele consegue anular tudo afirmando. O Artaud apareceu na mesma leva, eu sempre soube que quando o lesse ia ser radical, mas evitava, não sei bem porquê. Acho que tenho algum tédio pelo desejo teatral pelo desejo. Mas isso não está nele, mas às vezes em quem fala dele. Quando o leio tenho a impressão que perdi tempo enquanto não o lia, porque ao lê-lo cheguei na casinfância de que o Helder fala,  Artaud é raiz. Também tenho me aproximado do Hölderlin e acho que é pra ficar.

- E, por fim, responda-me pela segunda vez: o tempo ainda te angustia tremendamente? Considerando os seus estudos sobre ele, a nossa rápida marcha para o retorno de Saturno os 30 anos de idade e também, por exemplo, que esta pergunta já foi respondida e depois sumiu arrancada pela mão invisível da internet, como é que você tá vendo toda essa areia de ampulheta? Ou não é areia? E não é ampulheta?

Pohãn, o tempo me angustia pra caralho. Não sei como reproduzir o que tinha escrito aqui umas horas atrás, justamente porque no mesmo lugar, as coisas só acontecem no tempo.
Acho que meu modo de lidar, pra além dos estudos e dos poemas, tem haver com que tenho tentado optar por não fazer uma escolha pra uma das tensões em que oscilo, mas justamente estar na onda da dúvida nunca respondível. Que é: tenho gosto e necessidade por encontrar representações pra tudo, nisso passa desde o meu interesse pela psicanálise, como pela astrologia, a poesia, as confidências entre os amigos, etc. Cada vez mais quero confirmar as semelhanças em imagens discursivas, e coincidir com elas mesmas. Sobreposto a isso, sei que tudo é discurso, tenho uma forte tendência à destruição, ao esvaziamento, ao ceticismo, de tudo desconfio. Durante muito tempo pensei que tivesse que resolver por um lado ou outro, mas notei que optar  por uma só dessas maneiras é estúpido. Porque decidir pela representação em tudo é viver no discurso, construir castelos mentais que tantas vezes acabam é por me prender, também tem que caem. E, escolher pelo silêncio do vazio é sair do em comum  do convívio entre as pessoas, é um lugar de solidão que não me interessa, é frio e me parece burro emocionalmente, o que é das piores ignorâncias que conheço. Mas, se fico decidindo por não cair de um lado nem de outro, estou por cima de um cavalo de vento. Acho que estou tentando justamente conseguir alguma tranquilidade pra me jogar no turbilhão - e é certamente um amansamento que só o tempo me traz.
Agora, percebo que o mesmo acontece com as representações do tempo, comecei a tentar estudá-las pra ver se me abro pra certas tranquilidades, mas certamente chego sempre a certeza de que as maneiras de abstração do "tempo", que são nossos modos de lidar com ele, são também variáveis, culturais, históricas. Que elas vivem por nós, em nós, são nosso cavalo de vento. Pra mim é fundamental conhecer esse cavalo, os nossos, e também os de outras épocas, mas ainda fico irracionalmente furiosa que ninguém conheça o futuro.  Ansiedade? No mais, meu pai sempre fala que tempo é morte, mas ele diz também "só faça na tua vida as coisas que te dão prazer", tenho tentado. Afinal, o jeito de lidar com o tempo é vivê-lo.



quinta-feira, 15 de abril de 2010

na hora das comidas

como se escrever fosse uma coisa pronta.

"tecido adiposo" era um conceito que me metia medo na sétima série.

vim lendo no ônibus e pensando em traduzir pra você:

"

Temos falado demais do silêncio,
nós o condecoramos o mesmo que a um vigia do último prédio,
como se nele pousasse o esplendor depois da queda,
o triunfo do vocábulo, com a língua cortada.

Ah, não se trata da canção, nem tampouco do soluço!
Eu já disse o amado e o perdido,
travei com cada sílaba os bens e os males que mais temi perder.

"

depois vou continuar

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

domingo, 31 de janeiro de 2010

mas às vezes tem um ponto

mas às vezes tem um ponto no texto em que eu paro. dá uma preguiça que me come aperitivo e é hora em que eu penso: continuo? parece que não vale um gato morto.

isso não é sempre que acontece. esses dias, no trem, eu fiquei horas escrevendo e era toda a necessidade de continuar, as histórias pipocando e se estendendo, porque eu só escrevo histórias. tem vez que eu viro a sherazade.

outras (e isso é um mistério. acho que às vezes o espírito não baixa direito, ou tem interferência onda de rádio, recebo a mensagem toda entrecortada e fico muito sozinho) a história fica no futuro, mas não se configura.

aí eu tenho duas opções: ou abandono ou continuo. geralmente escolho a primeira. mas por exemplo nesse texto aí da goteira, venci o sono e terminei. aí fiquei feliz.

*

eu gosto mesmo é de contar história. quase não escrevo mais diário. e versinhos só os bobinhos, nem dá vontade. mas o que eu abandonei agora, de puro bocejo, era um menininho no playground que ia de encontro a um fantasma de sangue. ou algo assim.

não é legal, também, que quando a gente escreve uma história, a gente não tem a menor ideia do que vai acontecer?

domingo, 24 de janeiro de 2010

diliça



inglêszinho safado

E não para de chover

Agora eu vou contar a história de uma goteira. Pois mesmo a gente às vezes vaza, escorre pela parede de um teto que queria inteiro e anônimo. E porque é só na falha que o teto surge. Não que o marido fizesse falta só pra isso (falando assim eu até pareço uma), mas não havia como negar que nesses tropeços do dia-a-dia, nas coisas que se quebravam de solidão. Ela trocou o balde pela toalha na esperança de que fizesse menos barulho e ela pudesse enfim dormir. Qual o quê! Toc. Toc. Toc. Ele se levantou e foi olhar à porta. Era um rapaz muito ansioso e às vezes fazia isso: ia até o olho mágico e, antes de ver, suspirava fundo o suspiro dizia "é agora". Nunca era. Então ele voltava pro sofá e percebia: se confundira com a onomatopeia. Toc, toc, toc. Põe mais uma toalha. O chão vai estar enlameado, o menino olha assustado a velocidade com que o balde enche, transborda, enxurrada que leva os barracos. Até que enfim o irmãozinho dormiu. Agora ele tem treze anos e senta com as pernas cruzadas, mais feminina quanto menos gente por perto. Toc, toc, toc. A mãe trabalha à noite, faz faxina, ele transforma a camiseta num top e se deita de luz acesa pra poder apreciar: bonitos seios, marido que chega e ama, rasga o seu corpo no meio, goteja por dentro e depois morre, toc, toc, toc, quando entra o padrasto!

E ele leva um susto, salta do sofá se recompõe sem suspirar, tira a cinta ela encolhe na cama nem tempo pra pedir: "a goteira", baixa as calças, o menino apaga a luz o rapaz apanha escorrega na toalha da viúva: é agora: entra o padrasto, nessas horas em que o cotidiano estraga ele faz falta, a mãe chega e abre a porta, "é agora": todos estão vestidos e o menino desfez o top. Ela se despe, olha os filhos, o marido, vira viúva e beija a testa do rapaz - que dorme. Sem luz no barraco, sem chuva, ela deita e escuta: toc. Toc. Toc.

por isso eu te amo demais

marcos,

andei pensando no nosso papo do naturalismo contemporâneo x a experiência moderna e isso foi antes de dormir. agora já acordei, estou tomando café/ pequeno-almoço/ mata-bicho e o hiato de 8 horas de sono e o fato de que durmo um gênio leve e hilário e acordo um asno pesado e forte (...) só me lembro mesmo de um pensamento "contar uma história clara? escrever um verso limpo? bah! eu quero é mexer com as metáforas!", marcos: eu acho que isso resolve pular a linha do meu dilema entre imaginação e realidade e, digo mais, é um elogio à inteligência humana. sim, não é?

beijos pros macaco, aqui em Portugal têm mania de iogurte de banana!

j.

*marcos, não sei usar crase, você sabe, mas jogá banana! como ninguém.